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terça-feira, 6 de novembro de 2007

Professor powerpoint... onde fica a oralidade?

Revista Educação, Edição 110 - Julio Groppa Aquino

A ascensão da pedagogia powerpoint

A lousa preparada de véspera é a senha de passagem para um mundo marcado pelo esvaziamento e pela mistificação da palavra

Então, o sujeito dirige-se ao palco, cumprimenta a platéia e informa sua missão ali. Há objetivos a serem cumpridos à risca e não há tempo a perder. Em seguida, uma meia-luz toma conta do recinto, dando destaque para uma tela de fundo, onde se projetam enunciados breves entrecortados por cores e formas chamativas. As imagens começam a se reproduzir em velocidade constante, cadenciando o ritmo de absorção da platéia. E assim se repete o ritual hoje quase onipresente - bem poderia ser uma exposição de vendas, um treinamento profissional, uma palestra de auto-ajuda, ou uma aula qualquer. Diferença não há.
O sujeito nada faz além de repetir literalmente o que já está disposto na tela de projeção, essa espécie de lousa impecável preparada de véspera. A platéia se restringe a fazer o mesmo, em compasso com a leitura em voz alta do orador. Acaso ele suspeita que os ouvintes são incapazes de ler por si sós? Talvez sua presunção não chegue a tanto. Talvez apenas tenha escolhido tal estratégia porque pretende provar sua afiliação às novidades pedagógicas, conferindo assim uma suposta aura de validação ao que se propõe a ensinar. Seja como for, o que ele não suspeita é do fato de que sua escolha é conseqüência (e causa, em igual medida) de uma drástica redução das formas narrativas ali possíveis. Sua escolha é, por assim dizer, a senha de passagem para um mundo marcado pelo esvaziamento e pela mistificação da palavra - agora pretensamente objetiva e eficaz, em oposição à incerteza e à errância dos que outrora falavam pela própria boca.
As inovações tecnológicas despontam, então, como aliadas incondicionais em sua cruzada em favor da racionalização e da produtividade pedagógicas, rumo a um futuro promissor, o qual despontará tão logo dele nos aproximemos com destreza e destemor. Trata-se de se despojar de tudo aquilo que soe antiquado, inoperante, ultrapassado enfim. Embalado pelo utilitarismo obtuso dos tempos atuais, ele se esforça em controlar com mãos de ferro não apenas o que se presta a ensinar, mas também os modos de decifração de quem se dispõe a escutá-lo. Para isso, constrange a palavra a ponto de confiná-la numa espécie de grau zero intelectivo. Pretende informar, antes de dissertar. Quer pregar, mais do que confiar segredos.
Daí a ascensão de uma pedagogia powerpoint como prova material da lenta agonia pública do ofício de ensinar - antes uma prática artesanal e pacienciosa, em que mais importava a arte de lembrar em detalhes do que a de sintetizar com precisão. Um ofício quase cerimonial que nos atava, por meio do testemunho docente, aos hábitos dos antepassados que mereciam ser guardados na memória, fosse pelo exemplo, fosse pelo rechaço. Condenados a vagar pelo mundo sem o norte dessa tela narrativa imemorial em que palavra e experiência se confundiam, só nos resta permanecer sentados fitando as imagens insossas dessas outras telas de projeção à meia-luz. Mas até quando?

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